segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Sinais da globalização

"Todos os dias, pelo celular, Enildo Paulino recebe a cotação do dólar, os mercados de capitais e de commodities. "As Bolsas da Ásia tiveram quedas históricas", dizia na manhã da última sexta o catador de latinhas, preocupado com os negócios que lhe rendem, por mês, R$ 400 em média.
Aos 45 anos, "seu Nenê", como é conhecido, segue religiosamente o mercado financeiro "para não ficar perdido com a oscilação". Graças ao câmbio, espera obter agora melhor preço por seu produto. "Com o dólar a R$ 2,31, consegui R$ 4,60 pelo quilo da latinha. Antes da alta, pegava R$ 3,50."
Morador de uma favela em Osasco (Grande São Paulo), Paulino usa as informações para negociar melhor com os ferros-velhos, a quem vende pessoalmente seu produto --como 85% dos catadores de São Paulo (estimados em 20 mil), ele não faz parte de cooperativas.
"Se a gente chega desinformado, o comprador paga muito menos, paga qualquer coisa", afirma. Para maximizar os rendimentos, criou uma base de dados de compradores e telefona a todos para descobrir as melhores ofertas. Com isso, o valor que diz obter chega a superar o das cooperativas, que negociam volumes maiores.
Três entidades ouvidas pela Folha chegaram a vender o quilo da latinha por R$ 2,90 no ano passado e viram o preço subir. Mas, nos três casos, o máximo pago pelos intermediários foi de R$ 3,50/kg.
A alta deve-se não só ao câmbio, mas ao
desempenho do alumínio na crise das commodities (cujo preço é cotado em dólar), dizem cooperativas, revendedores e processadoras de sucata de alumínio.

Antenas ligadas
"Tenho um papel nessa cadeia", diz o mineiro de Divino das Laranjeiras (a 383 quilômetros de Belo Horizonte), que comemora o alto índice de reciclagem de alumínio no Brasil, país que detém o recorde mundial desde 2001 --no ano passado, foram reaproveitadas 96,7% das latinhas.
Além de acompanhar notícias na TV (comprada a prestações) e pelo celular, Paulino lê todos os jornais que recolhe no lixo --mesmo que sejam velhos. E comenta o noticiário: acha "importante para a humanidade e para os negros" a candidatura de Barack Obama, reclama que a Vale do Rio Doce foi entregue "quase de graça".
Com ensino formal até a quarta série, o catador também ironiza o nome do córrego poluído que corre sob o barraco em que mora, João Alves. "Uma pessoa que 'teve muita sorte na loteria'", diz, em referência ao deputado baiano envolvido no escândalo dos "anões do Orçamento", morto em 2004.
Por coincidência, João Alves era também o nome de seu sogro, cuja morte em agosto acabou levando Paulino aos telejornais, dessa vez como personagem. Em protesto contra suposta falta de atendimento médico ao sogro e "o descaso dos políticos com a miséria do país", ele passou 90 minutos no rio Tietê sobre uma câmera de pneu, no dia 29 de setembro.
Bem informado, o catador escolheu a dedo o local em que entraria no rio: na rota dos helicópteros que saem do Campo de Marte. Esperava chamar a atenção. Conseguiu.
*Retirado da Folha Online

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