sexta-feira, 27 de junho de 2008

Para matar a saudade

Se estivesse vivo, meu avô Armando (pai do meu pai) teria feito ontem 89 anos. Provavelmente, mesmo beirando os 90, ainda não aceitaria ser chamado de velho. Sua vaidade não permitiria. Assim como o meu outro avô, o Luiz (que faria 98 anos no próximo dia 2), ele era cheio de vida. Assim como o velho Blois, ele era falante, bem humorado e cheio de amigos. Sou neta de dois cancerianos muito queridos e amorosos, cada um a seu jeito.
O vô Armando era o que me levava para passear e que gostava de brincar, o que esteve mais perto enquanto eu era criança. Sempre que eu queria ir à praia, era para ele que eu pedia. E ele sempre me levava. Durante anos, ele foi a minha vítima: toda vez que eu tinha uma queda de pressão e desmaiava, coincidentemente, era ele quem estava por perto para me socorrer.
Me lembro dele implicando e fazendo careta para a minha avó para nos fazer rir; no Maracanã, com sua inseparável almofadinha com o escudo do Flamengo, vibrando com o Zico; ou em casa, aos domingos, com o radinho de pilha grudado no ouvido, enquanto o meu pai reclamava: "Desliga isso, Zé. Vai acabar dando azar" - Nunca entendi o porquê do meu pai o chamá-lo de Zé, já que ele não tinha José no nome. Era só Armando Ribeiro e ponto final.
Ele foi o meu ídolo de infância, mas eu só fui entender isso já adulta. E eu era a bonequinha dele. Quando ele morreu, cedo demais para que eu pudesse aceitar, passei um bom tempo, quando chegava na casa dele, esperando que ele viesse da cozinha me dar um beijo, dizendo: "oi, minha boneca" (anos depois, quando me chamaram de minha boneca de novo, aquilo me soou tão aconchegante que imediatemente me senti em casa , mas essa é outra estória). O vazio que ficou com a partida dele me fez um buraco no estômago, abrindo a minha primeira úlcera, aos 17 anos.
Curiosamente, só descobri de verdade o meu avô Luiz depois que o Armando se foi. Aos poucos, fui me familiarizando com aquele senhor que, mesmo aposentado, não parava em casa. Para não perder a pegada, ia todo dia ao centro da cidade. Encontrava com os antigos colegas de trabalho e colocava o papo em dia. Foi o jeito que ele encontrou para se manter ativo.
Perto de casa, era conhecido por todos: na padaria, no açougue, no barbeiro. Estava sempre pronto para conversar. Era o rei da rifa do bairro. Ganhava todas que comprava e depois me dava os prêmios de presente: televisão, relógio, rádio...
Viúvo há muito tempo, se cuidava sozinho e não queria nenhum dos filhos tomando conta dele. E ficou assim independente até enquanto pode. Tinha uma memória e uma sagacidade de pensamento que me causam inveja até hoje. Eu gostava de ouvir as suas estórias sobre política e futebol (ele também era flamenguista).
Me lembro de como ele tentou me fazer desistir de ser jornalista. Chefe de oficina de jornal a vida toda, não via com bons olhos a profissão. Me dizia que eu ia me matar de trabalhar e morrer de fome - Não morri de fome, vô. Embora tenha que ficar fazendo conta para fechar o mês, não posso reclamar da vida. Foi dele que herdei o sobrenome que não deixa ninguém esquecer de como me chamo.
De vez em quando, eles vêm me visitar nos sonhos. Já são quase 22 anos sem um e quase 15 sem o outro. E eles ainda fazem muita falta. Tomara que essa noite eles apareçam para a gente matar a saudade.

3 comentários:

Anônimo disse...

Emocionado, assumo o texto num consciente estelionato literário e sentimental. De fato, os dois fazem muita falta. Cada um do seu jeito, como dito. Após sua partida sem ao menos me avisar, fiquei longo tempo sem ir ao Maracanã, e a primeira vez em que lá retornei, não resisti e chorei. "Seu" Blois, também, era gente finíssima. Não gostava de confusão. Era um apaziguador. Os dois não estudaram o suficiente, mas eram PhD da vida.
Um reparo técnico: quem torce pelo Mais Querido é rubro-negro ou Flamengo. Flamenguista é coisa da imprensa "estrangeira". Assim, como eu, eram rubro-negros. Não sei por que o chamava de "Zé". Acho que, certa vez, ao perguntar-lhe algo, respondeu: "Fala, Zé!" E daí em diante o "Zé" virou nosso apelido mútuo.
Meu pai, um homem simples, verdadeiramente um autêntico representante do povo brasileiro (daqueles dos documentários esportivos do Canal 100 do Niemeyer), sem grandes estudos, trabalhador, nunca faltou como pai, marido e avô, mas, e principalmente, foi um grande amigo. Quando morreu, fiquei uma hora e meia recebendo condolências de pessoas totalmente desconhecidas, apesar de, felizmente, não ser político. O "Zé" deixou um eterno vazio nos estádios e no meu coração. A minha alma lacrimeja saudade.
Parabéns pela lembrança, porque "recordar é viver".
Pai.

Gabriella Santos disse...

Belíssimo texto!!!
Compartilho com você a saudade de não ter por perto pessoas tão queridas.
Um beijo e um ótimo início de semana.

Anônimo disse...

Amei o texto,com muita simplicidade e emoção vc conseguiu descrever a saudade e a importância que eles tiveram na sua vida.
Também gosto quando meus entes queridos, que já se foram, vem me visitar nos sonhos,eles parecem tão reais...
Bjs